Páscoa significa passagem. Travessia.
Tem a ver com quem somos hoje e quem podemos ser amanhã. Tem a ver com superação.
É uma espécie de promessa escondida dentro de nós que nos convida par sair, para avançar, para transformar.
É também como uma luz lá adiante que nos impele a caminhar. Um alvo, uma meta, um desafio. É como o horizonte do qual a gente se afasta toda vez que dele se aproxima mais.
A questão é saber o que é que alimenta o que mora dentro de nós. E que tipo de impulso tem brotado de nossas entranhas. Porque o que sai da boca do ser humano é mais importante do que aquilo que por ela entra (Mc 7,14).
É saber que tipo de horizonte se descortina aos nossos olhos. Porque, no fundo, não há horizonte além do que os olhos são capazes de enxergar. Porque, onde está o teu tesouro, aí está também o teu coração (Mt 6,21).
Talvez seja por isso que as grandes religiões funcionam com verdades absolutas preestabelecidas. É o jeito mais fácil de domar esse relativismo que habita a tensão entre quem somos e quem somos chamados a ser.
Objetifica o sujeito. Empobrece o indivíduo. Cria espaço para a preguiça existencial. Abre brecha para os usurpadores. Estabelece relação de chefes e súditos. Pastores e ovelhas. Inviabiliza a autonomia. O desafio da Páscoa é a ruptura. O desafio de fazer a travessia. É uma travessia que não se esgota em si mesma. Demanda sempre movimento. Afinal, o Israel libertado do Egito tornou-se opressor em Canaã.
A travessia exige vigilância. Supõe autocrítica. Requer coragem. Trata-se de um mergulho para dentro das profundezas desse desconhecido chamado eu. Tem a ver com um salto no abismo escuro que é o mundo, o outro, o tu.
Páscoa não tem a ver apenas com os ciclos predeterminados da natureza ou com a pretensão da confiança cega numa divindade provedora. É uma proclamação do risco da vida. E a confissão de toda sua ambiguidade.
Ricardo Lengruber