Conversando essa semana no finalzinho de uma reunião de célula dos jovens, ainda sobre o tema que estávamos abordando, ouvi esta constatação que não me pareceu nada estranha naquele momento: “acho que somos mais caretas que Deus”, disse meu querido amigo. Na mesma hora eu exclamei: “vou escrever sobre isso, pode ter certeza!”. E eis o título daquilo que vou tentar esboçar nas linhas que virão…
Interessante perceber algumas ‘teologias cheias de dedos’ que têm surgido em nossos dias e o alto nível de proibições em termos de liturgias de cultos, usos e costumes que só crescem em uma lista interminável. Tudo tentando colocar Deus e sua ação dentro de uma caixinha que nós, homens, fechamos e damos um lacinho. E nisto nos esquecemos de alguns textos que estão contidos na mesma bíblia que é pregada e interpretada pelos amantes das ‘caixinhas da ação de Deus’. Nos termos da carta aos Romanos (14,17), o apóstolo Paulo nos diz que Deus está muito acima de ritos: “porque o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo”. Aos Colossenses (2,21), ele completa afirmando que a santidade e a sabedoria não estão em “não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro…”
A bíblia é um livro aberto de Deus e de homens juntos construindo uma relação de amor. Quando a lemos, deveríamos encontrar esse amor, e consequentemente a nós mesmos. Deveríamos perceber que Deus ama omem e mulher em suas diferenças, branco e negro em sua mestiçagem, ricos e pobres em sua alegria própria de ter isto ou não ter aquilo. Por que tem se tornado tão difícil entender que sou santificado a partir do momento em que me percebo pecador? É na minha dificuldade que se mostra o milagre de Deus – não foi assim com Abraão? Com Pedro? Com Raquel? Com a mulher samaritana? Com todos aqueles que se aproximaram de Deus e o conheceram…? Precisamos ler de novo o chamado de Isaías (6,1-8)!
No fundo, no fundo, precisamos reconhecer hoje, em 2014, que nossos lábios e pensamentos impuros mostram que somos mais caretas que o próprio Deus que é Pai… Ele não julga, nós julgamos; Ele aceita, nós discriminamos; Ele abraça, nós afastamos; Ele chama com laços de amor, nós prendemos com um grande nó de “é desse jeito, senão não é de Deus”. Jesus, a prova de maior amor de um Deus que se ofereceu, diz que tem ovelhas em outro aprisco (João 10,16), nós queremos apenas as ovelhas com lacinhos cor-de-rosa bem amarradinhos.
A caixinha de Deus – se é que Ele a tem – não é a caixa de Pandora, cheia de coisas más e boas, de pré-conceitos e guerras, de indiferenças e desprazeres. Cheia de caretices. Deus é amor que se renova e se atualiza sempre, em mim e em você que lê. Deus é bom. É pai. É amigo. Pra mim e pra você. E para o outro que é completamente diferente de nós. Ele não nos obriga a fazer nada. Precisamos apenas ser nós mesmos e deixá-lo ser Ele mesmo e sentir alegria por isso. Livres. Simples assim.
Que hoje possamos confessar a Deus o quanto somos bem mais caretas do que Ele…!
No Deus que nos ama do jeitinho que somos,
Alessandra Viegas