A Páscoa: sua celebração no tempo de Jesus

“…eis o Cordeiro de Deus…”

 

Esta saudação, que é introdutória, mas também didática e intencional, mostra o esquema pascoal presente em João desde o início. Uma das teses do evangelista é exatamente esta: Jesus é o Cordeiro da Páscoa. Vemos, assim, a importância que o tema pascal tem na história da redação dos evangelhos.

A celebração judaica da Páscoa e a teologia nela implícita, vão servir de pano de fundo à formação do Querigma Pascoal da Igreja.

A razão pela qual o querigma primitivo da Igreja está profundamente centralizado na Páscoa, é porque, tanto na tradição bíblica como nos escritos rabínicos da época de Jesus, é na Páscoa onde ocorrem os eventos importantes na história de Israel. Enquanto Ezequias celebrava a Páscoa com Isaías e o povo, o anjo do Senhor destrói os exercícios de Senaqueribe ( 2R. 19.35-37;   Is 37.36-38), na Páscoa que Ester e os judeus jejuaram, Nanam, o inimigo dos judeus, caiu em desgraça diante do rei Assuero (Et 4.14; 5.6); o levante de Matatias, o Macabeu, também ocorre em função da proibição de celebrar a Páscoa, por ordem de Antioco IV. Segundo os escritos da Apocalíptica Judaica[1] era na Páscoa que juízo de Javé cairia sobre Edom e as Nações pagãs da terra, e o livramento de Israel ocorreria.

Por tais razões, na época de Jesus, na Páscoa a Guarda Romana era dobrada, tendo em vista que muitos levantes de cunho messiânico ocorreram durante esta festa nacional. Nesta época vários escritos rabínicos sublinhavam ser na Páscoa o espaço da manifestação do Messias. Por esta razão que até nos dias de hoje, entre os judeus praticantes, reserva-se um lugar à mesa pascoal, para Elias o profeta precursor, inclusive um cálice é servido a ele com vinho, e a certa altura da celebração, justamente quando o terceiro cálice da bênção é bebido, a porta é aberta, com o fim de permitir a entrada de Elias, e ao mesmo tempo são lidas passagens apropriadas e que predizem a destruição das nações pagãs (Sl 79.6; 69.24-25). O Banquete Pascoal é também o paradigma da reunião final dos justos no Reino de Deus (Mc 14.25; Lc 15-24).

Na época de Jesus, devido a opressão estrangeira, cada Páscoa era aguardada com grande expectativa, pois nela poderia manifestar-se o Messias Libertador de Israel, na escola rabínica de Hilel[2], avô de Gamaliel, mestre de Paulo e contemporâneo de Jesus, afirmava-se que o messias deveria vir entre 14 e 15 de Nisan por ocasião do sacrifício do Cordeiro Pascoal, inclusive fatos extraordinários deveriam marcar este momento. Nos escritos de Qumramm é durante esta celebração que deveria ocorrer a vinda do mestre da Justiça. Em plena guerra santa dos filhos da luz contra os filhos das trevas, o manual desta guerra diz: “… enquanto lutam os filhos da luz, os sacerdotes celebram o sacrifício do cordeiro a Deus, por todo o resto santo de Israel, pois será o dia da vitória do Senhor”[3]…

Na Palestina do sec. I, todo o israelita em condições, e que não estivesse distante de Jerusalém mais de 15 milhas, deveria ir obrigatoriamente a Jerusalém. O Templo transformara-se desde a reforma deuteronomista  no centro da festa da Páscoa, que contudo não se limitava a ele. Não apenas os israelitas próximos de Jerusalém, compareciam a festa, mas de toda Diáspora judaica vinham pessoas para a festa. Pode-se calcular o número de participantes, com base na informação de Flávio Josefo o historiador, segundo ele Gestius tendo feito um recenseamento, afim de convencer Nero da  importância de Jerusalém, dá o número de  cordeiros sacrificados, por ocasião de uma festa Pascoal, seriam 256.500 o que admitindo-se 10 pessoas para cada um, daria uma população de 2.700.200, sem dúvida tal população na ocasião da festa da Páscoa, fazia com que grande parte acampasse, fora dos muros da cidade. Com isto  o comércio tomava grande impulso nesta época, inclusive no Templo (Mt 21. 12-13; Jo 2.13-17). Os que se alojavam dentro dos muros eram gratuitamente hospedados, e, em troca, deixavam aos seus hospedeiros, as peles dos cordeiros pascoal e os vasos de que se utilizavam nos serviços sagrados. Os preparativos iniciavam até um mês antes, rituais de purificação, outros arranjos preliminares eram feitos, segundo o ensino dos Rabis. No sábado anterior à festa, era o grande sábado, nele deveriam fazer-se orações e ritos especiais, tudo com vistas à festa. No dia 10 de Nisan o cordeiro do sacrifício era escolhido.

Na semana da festa pascoal todas as vinte e quatro turmas de sacerdotes, ministravam no Templo e repartiam entre si o que lhes tocava dos sacrifícios e dos pães do proposição durante a festa.

Logo pela manhã do dia 14, começava a Páscoa, na Galiléia nenhum obra era feita todo aquele dia;  na Judéia o trabalho continuava até o meio dia; sendo de notar, contudo, que, embora nenhuma nova obra devesse ser começada, a que estivesse adiantada podia ser concluída. Só em Jerusalém podia-se sacrificar e comer o cordeiro Pascoal. Outra proibição era a de comer coisas fermentadas, o fermento era todo jogado fora até no máximo as 12 horas do dia 14.

O cordeiro pascoal deveria ser sem defeito, não podia ter menos de 8 dias nem mais de um ano. Cada cordeiro deveria ser comido por no máximo 20 e no mínimo 10 pessoas. O grupo que participou da ceia com Jesus era composto dele e dos doze, seguindo de perto a tradição.

Componha a refeição pascoal, além do cordeiro, vinho, pão, verduras, ervas amargas, marmelada e frutas, tudo com variados condimentos.

O banquete da Páscoa transcorria da seguinte maneira. Começava com o erguer do primeiro cálice, pelo chefe da família ou grupo, onde ele pronunciava a seguinte fórmula de ação de graça: “Louvado sejas tu, Javé, nosso Deus, Rei do mundo, que criaste o fruto da videira.” A seguir tomava-se a entrada da refeição, verdura e ervas amargas, junto com uma sopa simples. Enquanto não se servia o banquete principal, o segundo cálice era servido aos participantes, depois então o líder dava início a liturgia da Páscoa propriamente dita, uma criança ou outro participante perguntava: por que estamos celebrando esta refeição? O chefe da casa respondia com o relato da saída do Egito; o texto usado era mais freqüentemente Dt26.5-11, acompanhado da devida interpretação; ênfase especial era posta no cordeiro pascoal, que lembrava o a misericórdia de Javé; também nas ervas amargas, que lembrava o sentido amargo da escravidão sobre o jugo de Faraó; e também nos pães azimos, os quais lembravam a rápida libertação do Egito. Depois desta liturgia vinha então o banquete[4].

 

Bispo. Paulo Lockmann